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quarta-feira, 10 de julho de 2019

Arthropleura

Arthropleura em floresta de calamites
© Desenho por Annemarie Burzynski retirado de Briggs et al. (1984)
(Colorido por Patrick Król Padilha)

Arthropleura Tamanho Dieta Onde Viveu Quando viveu Período Nome científico e significado do nome
Nome popular: Artropleura
Nome Científico: Arthropleura armata, A. britannica, A. cristata, A. enodis, A. maillieuxi, A. mammata e A. punctata.
Significado do nome:  Arthropleura significa "Costelas Articuladas". 
Quando viveu: Período Carbonífero e começo do Período Permiano.
Local: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Polônia e Reino Unido.
Peso: 500 kg.
Tamanho: 2,3 metros de comprimento e 50 cm de largura, provavelmente cerca de 30 cm de altura.
Alimentação: herbívora, possivelmente onívora.

Quando viveu Arthropleura
Quando a Arthropleura viveu 
© Patrick Król Padilha

Pensando numa opção de animal invertebrado para postar aqui no blog, me peguei folheando livros e buscando na internet por um animal interessante e pouco conhecido da maioria das pessoas, mas que fosse bastante interessante. Escolhi o milípede Arthropleura como foco desse artigo e me pus a pesquisar sobre o animal. 
Para minha surpresa, ele é um organismo fóssil descoberto há muito tempo, descrito pela primeira vez por Meyer em 1853, precisamente 166 anos atrás. Tentei obter online uma cópia do estudo original de Meyer, porém não obtive sucesso até o momento. Ao que parece a publicação é tão antiga que não existem cópias digitais dela, e se existem, não estão publicamente disponíveis. Além disso, o artigo está em alemão, língua que não domino, então não sei a que ponto obter o estudo ajudaria, mas continuarei buscando e se tiver sucesso, atualizarei o texto aqui com qualquer informação pertinente que encontre no artigo.
Fóssil de Arthropleura
© Museu Senckenberg de Frankfurt

De qualquer modo, pude perceber que embora conhecido de restos incompletos, este artrópode foi alvo de inúmeros estudos desde sua descoberta, tendo vestígios de sua existência sido relatados na América do Norte e várias partes da Europa, sempre em depósitos do Carbonífero e alguns escassos registros em rochas permianas, quase na divisa com o período anterior.
Parece que o animal foi descrito primeiramente como a espécie tipo Arthropleura armata, com um nome baseado nas suas características físicas, pois o corpo do animal é composto de inúmeros segmentos articulados revestidos por um exoesqueleto rígido, daí o nome do grego Arthro = articulado e Pleura = "costelas", combinado com armata = armado, duro.
Nos anos seguintes novos espécimes foram sendo descritos em diversas regiões por inúmeros autores, incluindo as espécies A. mammata, criada por Salter em 1863, assim como A. punctata e A. affinis batizadas por Goldenberg em 1873 e A. zeilleri por Boule em 1893. A nova espécie A. britannica foi cunhada por Andrée em 1913. A maioria dos casos os fósseis encontrados eram apenas parciais, pedaços da carapaça do animal, além das pegadas, mas nunca um corpo 100% preservado, sempre estando faltando detalhes ou trechos do corpo. 
Fóssil de um pedaço da carapaça da Arthropleura
© Field Museum

O estudo mais antigo que pude encontrar sobre o animal foi uma publicação de 1914 escrita por W. T. Calman, cujo conteúdo foca na descrição de um fóssil parcial do animal, descoberto na região do Reino Unido. O fóssil, embora não tão grande, foi descrito neste estudo como uma nova espécie de Arthropleura, denominada Arthropleura moyseyi. Calman descreve o animal e comenta sobre suas afinidades de parentesco, sugerindo já naquela época que o animal poderia ser um tipo de miriápode, ainda que não tivesse provas claras disso e que portanto preferia manter o bicho identificado apenas como um artrópode incertae sedis (este termo indica que não se sabe a classificação real do animal). O fóssil por ele estudado era incompleto, faltando uma porção do meio do corpo do animal, além de ser bem menor que a Arthropleura armata, mas permitiu ter uma noção do número total de divisões corporais que o animal tinha, em torno de 28 segmentos. Abaixo você confere o desenho interpretativo do fóssil e uma foto do espécime.
A. moyseyi: as partes curvas nas laterais são partes da carapaça,
 embora possam parecer com patas, que não estão visíveis no fóssil
© Retirado de Calman (1914)
 
Foto do Fóssil  da A. moyseyi
©  GB3D Type Fossils

Desde a descoberta do animal, inúmeros fósseis continuaram a ser desenterrados e cientistas seguiram batizando diversas novas espécies de Arthropleura. Em 1930 Pruvost apresentou A. maillieuxi e quatro anos depois foi a vez de Guthörl descrever uma nova espécie, A. enodis no ano de  1934. Por fim A. cristata foi descrita em 1959 por Richardson.
Nem todas estas espécies foram mantidas como válidas, sendo algumas agora consideradas sinônimos da espécie Arthropleura armata, ou seja, acabaram sendo revisadas e identificadas como a mesma espécie. Então algumas dessas espécies hoje são inválidas, sendo elas especificamente A. moyseyi Calman, 1914, A. affinis Goldenberg, 1873 e A. zeilleri Boule, 1893.
Saltando no tempo para 1967, Rolfe e Ingham descrevem o Arthropleura novamente com mais detalhes, focando na morfologia das patas e também na classificação, confirmando o artrópode como um tipo de miriápode, devido ao formato de suas patas e ao fato de não apresentar tagmose (fusão de segmentos) no corpo. Rolfe e Ingham afirmam que este animal passou por várias reclassificações, sendo colocado dentro dos grupos Chelicerata, Trilobitomorpha, Crustacea, Myriapoda e Arthropoda incertae sedis. Apesar de até hoje a sistemática do gênero ainda não estar completamente resolvida, o gênero Arthropleura é comumente classificado da seguinte maneira:

Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Subfilo: Myriapoda
Classe: Diplopoda
Subclasse: Arthropleuridea
Ordem: Arthropleurida 
Família: Arthropleuridae 
Gênero: Arthropleura

Esse animal foi descrito, ao longo de todos estes anos, com base em dois tipos de fósseis, os corporais, compostos por partes do corpo do animal que foram fossilizados e os icnofósseis ou fósseis traço, assim chamados porque não são partes do animal, porém evidência de sua atividade, o que inclui pegadas fossilizadas, fezes, ninhos etc. No caso do artrópode Arthropleura, os principais icnofósseis encontrados são trilhas de pegadas, mostrando o comportamento de locomoção do bicho e auxiliando no cálculo do seu tamanho.
Nas últimas décadas fósseis continuam sendo descritos, como por exemplo em Pearson (1992) (pegadas). Restos corporais coletados do Reino Unido foram apresentados por Anderson et al. (1997).  Lucas et al. (2005) relatam o achado de uma grande trilha de Arthropleura no estado do Novo México, assim como outras publicações continuam a adicionar dados ao nossos conhecimentos do animal.
Arthropleura em vida 
© A. Belov

O Arthropleura é, como acabamos de ver, um gênero de artrópode, atualmente considerado um milípede, que viveu principalmente durante o período Carbonífero, há cerca de 315 a 295 milhões de anos, aparecendo também em rochas Permianas. É até hoje considerado o maior invertebrado terrestre conhecido de todos os tempos e teria poucos ou nenhum predador na época, uma vez que não haviam muitos animais vertebrados terrestres de grande porte no planeta.
Reconstrução da anatomia do Arthropleura
© Imagem retirada de Rolfe e Ingham (1967)

As espécies de Arthropleura variavam em tamanho, algumas delas podendo ser relativamente pequenas, com aproximadamente 30 centímetros, similar a algumas centopeias gigantes do gênero Scolopendra de hoje.  Ah, e por falar em "centopeia", é legal comentarmos que o uso desse termo é um pouco inadequado do ponto de vista mais técnico e científico, pois o Arthropleura não tem na realidade 100 pernas (nenhum miriápode realmente tem esse número exato). Vale lembrar que o termo vulgar "centopeia" se tornou comumente usado para os artrópodes milípedes da classe Chilopoda, o que não é o caso da Arthropleura, pois ela se caracteriza como um Diplopoda, logo está mais para um "piolho-de-cobra" gigante do que centopeia.
Terminologias à parte, podemos retomar a questão do tamanho e dizer que as maiores espécies do gênero, como comprovado por alguns fósseis do animal e de suas pegadas, podiam chegar a 2,3 metros de comprimento e conseguiam medir cerca de 50 centímetros de largura! É um artrópode do comprimento de uma vaca! E olhe que há quem diga que ela podia crescer ainda mais, até uns 2,6 metros, embora essa medida possa estar um pouco exagerada.
Veja  as divisões da carapaça: uma parte central e duas "pontas" em cada lado
© Emily S. Damstra

O único artrópode maior que a Artrhopleura conhecido ate hoje é um escorpião marinho chamado Jaekelopterus, que viveu no período Devoniano, mas em terra nunca se descobriu nada maior que esse milípede sobre o qual estamos aprendendo aqui no post.
Jaekelopterus, meganeurídeo, Arthropleura e humano de 1,70 metros
© Retirado de Schneider et al. (2010)

A aparência geral do Arthropleura é relativamente bem conhecida, embora alguns detalhes ainda sejam um mistério. Sabe-se que no seu corpo enorme era dividido em vários segmentos recobertos por uma carapaça dura, um exoesqueleto forte que protegia seu corpo. Ao todo, estima-se que haviam cerca de 30 seguimentos ao todo e cada segmento (denominado tergite) era dividido em três áreas ou lobos, duas placas laterais e uma central. A placa central (também chamada medial)  tem uma forma quase retangular levemente curva e as placas laterais são mais recurvadas para trás nas extremidades, com uma extremidade fina pontiaguda. Alguns autores dizem que esse animal podia variar no número de segmentos, tendo sempre mais de 20, porém variando de 23 a 30 divisões corporais, dependendo do indivíduo.
Esquema da pata do Arthropleura visto de cima e de baixo
© Rolfe e Ingham (1967)

Abaixo de seu corpo situavam-se inúmeras pernas, normalmente um par por segmento, tendo as pernas um formato bem característico, que pra mim particularmente faz lembrar o corpo de um camarão. As pernas são distintas no fato de terem mais segmentos que o visto nas espécies de hoje, sendo que milípedes modernos geralmente tem 7, enquanto o Arthropleura tinha entre 8 e 10, começando numa base espessa e afilando em uma ponta com forma de espinho no último seguimento. A parte de cima de cada pata é lisa, enquanto que a parte de baixo é rugosa, cheia de textura formada por tubérculos pequenos. Na parte de trás da pata a sua margem contém vários espinhos pontiagudos na borda mais externa de cada segmento da pata, que possivelmente davam mais aderência ao substrato quando o bicho andava. Na base da pata várias placas reforçam sua ancoragem ao corpo, além do ventre conter outras placas rígidas que completam seu exoesqueleto, segundo o estudo de Rolfe e Ingham (1967), estudo que descreve essa pata em detalhes.
Fotos dos fósseis da pata do Arthropleura
© Rolfe e Ingham (1967)

Apesar de existirem várias reconstruções do corpo desse artrópode, nenhum de seus fósseis é completo, mas cada novo pedaço descoberto nos ensina mais sobre sua anatomia. Infelizmente uma das áreas do corpo cuja preservação é precária é a cabeça do animal. Não se sabe com absoluta certeza como seria a anatomia completa dessa região, qual a configuração de olhos, antenas e até mesmo a sua estrutura bucal. Muitas reconstruções se baseiam em milípedes modernos para recriar as feições faltantes do bicho. Inicialmente foi sugerido que o Arthropleura fosse um animal carnívoro que poderia ser um predador feroz, baseando-se em centopeias modernas que são carnívoras, mas por causa da falta de evidências de como era construída sua boca, não era possível comprovar essa hipótese. 
A hipótese do carnivorismo teria sido proposta por Waterlot (1947) com base num fóssil que ele interpretou como possuindo um membro cefálico, o que indicaria que o animal teria uma ferramenta para caçar no estilo de centopeias modernas. Membros cefálicos são pernas modificadas na região da cabeça e servem como aparato de captura de alimento, podendo ter até capacidade de injetar veneno. Entretanto, Rolfe e Ingham (1967) dizem que um exemplar juvenil usado em seu estudo apresentaria conteúdos do estômago preservados, sendo tal conteúdo limitado a plantas, incluindo fragmentos de licopódios e esporos de pteridófitas. Relatos desses conteúdos também achados em coprólitos associados com Arthropleura suportam a ideia desses animais serem vegetarianos. Mas a história não acaba por aí não.
Fóssil de uma cabeça de Arthropleura (C) e placas laterais (P) e medial (S)
© Foto retirada de Schneider et al. (2010)

O fato de nenhum dos fósseis preservar as partes de sua boca leva os cientistas a supor que o Arthropleura não tinha um aparato bucal composto de partes fortes esclerotizadas (duras), porque se possuísse elas teriam sido preservadas nos fósseis junto com o resto do exoesqueleto. Logo, se sua boca não era dura para fossilizar, não deveria ser forte o suficiente para lidar com presas fortes ou carapaças rígidas de outros invertebrados ou até agarrar pequenos vertebrados, sugerem os defensores da dieta herbívora. Repare no fóssil acima, que preserva parcialmente a cabeça do animal. Poucos detalhes podem ser discernidos e não há muitos indícios sobre quaisquer apêndices na cabeça, sendo assim o fóssil apenas consegue sugerir o formato geral arredondado desse segmento cefálico, sem muito mais detalhes.
Por outro lado, em um estudo mais recente, Schneider et al. (2010) discordam dessa proposta de animal puramente herbívoro, pois alguns autores consideram o conteúdo estomacal descrito por Rolfe e Ingham (1967) como incorreto, sendo na realidade matéria vegetal que foi preservada junto com o artrópode por acaso e não faria parte de seu trato digestivo.
Schneider e seus colegas dizem que com base no estudo da região ventral do Arthropleura, pode-se realmente achar similaridades com centopeias do gênero Scolopendra, dos dias de hoje, que são predadoras vorazes e rápidas, capazes de abater presas grandes com veneno. Schneider et al. (2010) ainda afirmam que para um artrópode grande como este, seria necessária uma dieta rica em proteína que não seria facilmente suprida só com vegetais e que os diversos animais vertebrados contemporâneos do Arthropleura podem ter sido presas em potencial. 
 Arthropleura comendo um peixe, seguindo a proposta de Schneider et al. (2010)
© Arte por Stolpergeist

Os autores dizem que nos últimos tempos mais e mais fósseis bem preservados do animal tem sido achados e é só questão de tempo até um fóssil da cabeça desse animal bem preservado ser achado e que até lá é interessante entreter a possibilidade de o Arthropleura ter sido um carnívoro.
Inclusive, já que mencionamos, o ventre da Arthropleura é relativamente bem compreendido, desde as patas até as placas rígidas que recobriam a parte inferior do corpo, formando sua armadura. No fóssil abaixo, descrito por Schneider et al. (2010), temos um exemplar articulado do Arthropleura encontrado na Alemanha. Este exemplar com cerca de 24 centímetros de comprimento é só um pedaço do corpo, mas mostra claramente a organização das placas diversas que compunham o ventre do milípede. Compare essa figura com a figura do corpo inteiro do animal retirada de Rolfe e Ingham (1967) publicada mais no início deste texto e conseguirá compreender melhor o fóssil.
Exemplar parcial de Arthropleura, vista ventral
© Schneider et al. (2010)

No fim das contas, apenas de inúmeros fósseis serem encontrados desse animal, alguns detalhes de sua anatomia e biologia permanecem um mistério.  Sua característica mais marcante, o tamanho total do corpo, que é enorme, é outro assunto de discussão.
Por muito tempo sabemos que existem grandes chances do Arthropleura ter chegado a tamanho tão absurdo para os padrões de artrópodes modernos por causa do ambiente em que surgiu, nas selvas do Carbonífero. Estudando as rochas formadas nesse período que durou de 358 a 258 milhões de anos aproximadamente, paleontólogos e geólogos encontraram evidências de que o clima da Terra era bem distinto. Por vários milhões de anos, desde o período Siluriano, a vegetação no planeta vinha evoluindo e se alastrando por terra firme, nos continentes que ainda eram desprovidos de vida.
Quando a vegetação se estabeleceu, diversos grupos de animais marinhos começaram seus processos de transição da vida aquática para anfíbia e posteriormente terrestre. Artrópodes estavam entre os primeiros a colonizar a terra seca e posteriormente vieram os vertebrados, com peixes de nadadeiras lobadas adaptando-se a caminhar fora d'água, dando origem a todos os vertebrados tetrápodes (de quatro patas).
Todavia, no começo esses animais eram especializados apenas em consumir carne de outros animais, poucos animais herbívoros existiam nos mares e na terra firme nem mesmo fungos e bactérias capazes de decompor plantas haviam surgido ainda. Por este motivo as plantas tiveram um sucesso absurdo, pois não eram alvo de predadores ou parasitas nesses primeiros períodos de sua evolução. Puderam formar florestas gigantes sem serem devoradas por bichos.
Porém isso teve um resultado bastante relevante na composição de nossa atmosfera. A vegetação absorvia o gás carbônico do ar e liberava oxigênio puro ao fazer fotossíntese. Porém, com a falta de animais para comer a madeira e folhas, bem como de microrganismos para decompor plantas mortas, o elemento carbono fixado em seus corpos nunca era liberado e ficava depositado no solo, formando posteriormente carvão mineral, daí o nome Carbonífero, do período, que significa ao como "produtor de carvão" ou "que contém carvão". Até hoje o ser humano extrai este carvão para uso industrial.
Mas no carbonífero, o aprisionamento do carbono no solo em grande escala e a liberação massiva de gás oxigênio mudou a concentração destes elementos no ar, sendo o oxigênio elevado para aproximadamente 35% do total da atmosfera, bem mais do que os 21% que temos nos dias de hoje.  Mais oxigênio, maior era a ocorrência de incêndios naturais contribuindo para mais depósitos de carvão. Com uma atmosfera muito mais rica em oxigênio, alguns animais invertebrados foram privilegiados, pois o volume extra desse gás permitia uma maior absorção dele na respiração.

A Arthropleura, assim como outros artrópodes da época, foram capazes de crescer muito mais que artrópodes modernos por causa da maior concentração do oxigênio na atmosfera da Terra e isso acontece pela forma como insetos e outros artrópodes respiram. Diferentemente de vertebrados, não possuem pulmões para bombear ar para dentro e para fora, muitos artrópodes marinhos usam brânquias enquanto que espécies terrestres usam traqueias para captar o ar passivamente. As traqueias são tubos finos que se abrem no abdome do animal, geralmente na parte lateral ou inferior do corpo e em seu interior foram um caminho ramificado. O ar entra por estes tubos e suas paredes contém estruturas adaptadas na absorção do oxigênio.
O sistema funciona, mas não é tão eficiente, por esse motivo os animais tem seu tamanho restrito de acordo com níveis de oxigênio na atmosfera. Para absorver oxigênio suficiente a fim de sustentar um artrópode grande, o ar precisa ser riquíssimo nesse gás, como era no carbonífero, explicando o motivo de encontrarmos tantos tipos de artrópodes gigantes naquele período. Com o tempo, bactérias e fungos evoluíram a capacidade de decompor matéria vegetal e animais vertebrados herbívoros apareceram e foram reduzindo o número de plantas, controlando sua população e reciclando o carbono delas, assim eventualmente o oxigênio da Terra caiu em quantidade, por isso hoje não encontramos insetos gigantes nas florestas. Isso pode inclusive ter sido uma das causas da extinção do Arthropleura.
Sem dúvida pesquisadores mundo afora concordam que esse nível de oxigênio absurdo contribuiu como fator determinante ao tamanho do Arthropleura, mas Schneider et al. (2010) ainda questionam que o tamanho impressionante desses animais pode ter sido, ao menos em parte, resultado de uma corrida evolutiva entre presas e predadores.
Segundo eles, o Arthropleura crescia até tamanhos gigantescos para os padrões de artrópodes por causa de fatores relacionados à falta de predadores vertebrados grandes. Não existindo animais de grande porte que pudessem caçar facilmente o Arthropleura, o animal poderia crescer muito e ao mesmo tempo adotar a postura de um predador por si mesmo, segundo a hipótese de Schneider e colegas. Eles afirmam que no decorrer da evolução do animal, suas presas, pequenos vertebrados como anfíbios, também estavam evoluindo tamanhos maiores pelo mesmo motivo. Não havia predadores para eles também, o mundo era um lugar seguro. À medida que predadores cresciam, no caso a Arthropleura, as presas cresciam também pela seleção natural. No final das contas isso viraria uma corrida evolutiva, até que chegou um ponto em que o ambiente prejudicou os invertebrados, com uma quantia menor de oxigênio, pondo um limite no crescimento dos artrópodes. A partir daí vertebrados ultrapassaram o tamanho dos invertebrados e a diminuição do oxigênio os fez reduzir em tamanho, voltando a ser pequenos permanecendo assim até os dias de hoje.


Embora não saibamos com absoluta certeza se o Arthropleura teria mesmo sido um predador, sabe-se que tinha boa desenvoltura e agilidade suficiente para atuar como um se quisesse, dados estes sobre sua locomoção inferidos a partir de suas pegadas. Elas são duas trilhas paralelas de pequenas impressões, as quais mostram que o animal se movia rapidamente pelo solo florestado, dando guinadas para desviar de obstáculos, tais quais árvores ou rochas. Essas trilhas ganharam o nome de ichnotáxon Diplichnites cuithensis.
Trilhas famosas de Arthropleura incluem exemplares achados tanto na Europa, como no Canadá e Estados Unidos. Os primeiros estudos descrevendo pegadas de Arthropleura vieram de fósseis canadenses da região de Joggins na Nova Escócia, publicados por Fergusson em 1966 e 1975. Além destas, Langiaux e Sotty (1977 c) descrevem trilhas menores descobertas na França.
Posteriormente estudos de Briggs et al. (1979) de trilhas achadas na Europa, em rochas da Escócia, revelaram comportamento de locomoção do animal e também detalhes de sua morfologia. Esta trilha escocesa mede um total de 6,25 metros de comprimento tendo 36 centímetros de largura e também se preserva em rochas carboníferas. Na mesma localidade ocorrer plantas diversas, incluindo Lepidodendron e Stigmaria, Licopódios, Sphenopteris elegans. 
Floresta de Lepidodendon no Carbonífero
© Richard Bizley

As trilhas foram feitas em uma região úmida, provavelmente deltaica, com o animal caminhando no sedimento arenoso e deixando a trilha que contém pequenas impressões das patas, distantes cerca de 1 cm uma da outra. Algumas pegadas mais bem definidas até mesmo preservam impressões dos espinhos da pata, que você pode ver na reconstrução das pernas do animal apresentada anteriormente.
Sabe-se que estas trilham teriam sido feitas por Arthropleura devido ao padrão característico de duas fileiras paralelas de pegadas, feitas por múltiplos pés, eliminando a chance de terem sido produzidas por um animal vertebrado, pois sabemos, todos os vertebrados são tetrápodes, possuem apenas quatro membros. Só um invertebrado terrestre poderia ter produzido tais trilhas e o fato de ter tantos "pés" e as impressões registrarem a marca dos espinhos característicos dos pés de Arthropleura, confirma que a trilha só poderia ter sido feita por este milípede, que vivia neste mesmo período e em habitats iguais ao do local dessas trilhas, pântanos deltaicos ou planícies de inundação próximas a rios.
Arthropleura em um pãntano do Carbonífero
© A. Belov

Neste estudo da trilha escocesa, Briggs et al. (1979), descrevem a locomoção da Arthropleura como sendo composta por ondas metacronais, o que para nós leigos não ajuda muito a entender o processo de deslocamento. Em termos simples podemos dizer que o animal mantinha sempre no solo cerca de 45% de seus membros, alternando a passada com grupos de pés juntos, três por vez em média, que primeiramente firmavam no chão empurrando o corpo para frente, depois eram levantadas e movidas para frente, então ao serem novamente apoiadas no solo, as patas imediatamente à frente destas repetiam o processo, formando visualmente um padrão de onda nas pernas, como se a onda viesse de trás do animal em direção à sua cabeça. Outra comparação útil seria com o efeito dominó, em que um item cai e em empurra o da frente, causando uma cadeira de deslocamento. E por último os autores compararam a locomoção da Arthropleura com milípedes modernos, dizendo que seria bem parecido com o andar do gênero Polydesmus.
Em seguida, Briggs et al. (1984) descrevem em detalhes trilhas encontradas na América do Norte, especificamente localizadas em rochas do Canadá, na região de Nova Brunswick, na costa leste do país, uma região bem perto de Joggins onde previamente haviam sido achadas pegadas do animal.
Neste estudo, Briggs et al. (1984) registram uma grande trilha de pegadas mostrando que o animal se locomovia numa região terrestre, confirmando que o Arthropleura era um animal que não vivia na água, ajudando a reforçar sua identificação como um miriápode. A trilha em si mostra que o miriápode estava se locomovendo por entre uma floresta de plantas chamadas Calamites (imagem no topo do post) e fazia curvas para desviar dos caules vegetais, deixando uma trilha sinuosa na lama de uma localidade caracterizada como um leque aluvial (região plana baixa onde são depositados sedimentos e água provindo de uma região montanhosa próxima). A região era florestada somente por plantas do tipo Calamites, provavelmente porque o tipo de solo local não era adequado para outros tipos de plantas. 
Foto e desenho da trilha: caules de Calamites são as 
formas subcirculares em torno da trilha
© Retirado de Briggs et al. (1984)

Os autores descrevem uma trilha que em sua porção melhor preservada tem um total de aproximadamente 5,5 metros de comprimento e chegava a medir de 29,5 a 36,5 centímetros de largura. Ao redor da trilha existem diversos fósseis das plantas com até 10 cm de espessura cada, ainda em posição vertical, mostrando que o animal desviava delas e por isso a trilha é tão curvada. Eles calculam, com base em conhecimentos prévios sobre a espécie, que o exemplar produtor da trilha deveria ter em torno de 102 centímetros de comprimento, considerando a largura de 29,5 cm como a mais padrão da trilha. Levando em conta a forma da articulação entre as divisões do corpo do animal, os autores conseguiram calcular a curva do corpo necessária para o animal ter produzido as trilhas, chegando a valores condizentes com o esperado para o formato do corpo da espécie. A figura abaixo, retirada do estudo, mostra o quanto o corpo estaria flexionado no momento de produção das trilhas.

Curvatura plausível do corpo da Arthropleura durante a locomoção
© Retirado de Briggs et al. (1984)


Para encerrar nossa abordagem das pegadas desse animal trago ainda um estudo recente, de 2018, cujo foco de análise é uma trilha de pegadas atribuídas a Arthropleura, de rochas escocesas. Essa trilha mostra uma característica estranha e curiosa. Um dos lados da trilha está duplicado, como se duas fileiras de pés houvessem passado ao mesmo tempo ali, quase colados uns aos outros. O autor do trabalho interpreta isso como possível evidência de acasalamento, propondo que a trilha foi feita por um casal de Arthropleura em pleno ato sexual, em que o macho montou na fêmea e continuaram andando, então havendo a trilha normal de pegadas da fêmea e um terceiro trilho paralelo feito pelas pernas do macho. Isso prova o quão úteis em inferências de comportamento pegadas fósseis podem ser e mostra que nem sempre é necessário o fóssil corpóreo de um animal para inferir sobre sua vida.
Arthropleuras acasalando
Whyte (2018)

Martino e Greb (2009) afirmam que o Arthropleura viveu no mesmo ambiente que animais como os anfíbios temnospôndilos, incluindo o famoso Eryops, habitando margens de rios e lagos. Outros conterrâneos contemporâneos incluíam o anfíbio Cochleosaurus e Pholiderpeton, nos rios habitando peixes rizodontes enormes que poderiam inclusive comer estes invertebrados se tivessem a chance, entre outros animais, especialmente insetos grandes como o Meganeura. Além de plantas como licopódios gigantes e cavalinhas enormes, incluindo Calamites, o ambiente da Arthropleura deveria ser populado por diversas samambaias arborescentes similares às Cicas, inclusive havendo evidências de que por vezes, pólen dessas samambaias ficavam presos nas patas do Arthropleura, podendo talvez indicar uma relação de polinização involuntária da planta por parte do artrópode.
É seguro dizer que haviam diversos possíveis papéis ecológicos para o Arthropleura, todos muito interessantes e possivelmente importantes para seu meio. Como um potencial herbívoro ajudava a reciclar matéria vegetal no ambiente, já como potencial predador poderia estar entre os caçadores de topo de seu ecossistema, isto é, se comprovada sua natureza carnívora. 
Teria servido de alimento também aos primeiros vertebrados terrestres de porte mais avantajado ou competido com eles por recursos, o que pode ter efetivamente implicado em como os vertebrados evoluíram. 
Seja como for, o Arthropleura não resistiu às mudanças que o tempo trouxe e acabou sumindo, foi extinta no fim do Carbonífero, quando o clima úmido começou a mudar para um mais seco, reduzindo as florestas tropicais do Carbonífero e permitindo a desertificação tão característica do período seguinte, o Permiano.
Centopeias e piolhos de cobra por vezes são vistos como serem quase alienígenas ao ser humano, tão bizarros e diferentes de nós que causam repulsa e medo. Talvez por essa razão a Arthropleura, uma versão gigante dos milípedes que conhecemos, seja tão intrigante e cativante, atraindo o fascínio de muitas pessoas, o que levou este animal a ter lugar garantido em livros sobre a pré-história e em documentários científicos. 
Dentre os principais destaques a mencionar aqui, Arthropleura aparece na coleção "Dinossauros" da Editora Globo, como um dos animais da sessão Identidino, no fascículo 75, da segunda edição da coleção, publicada no Brasil em 1996. Além dessa aparição, foi mostrada brevemente em outros fascículos da coleção.
Arthropleura no Identidino - Fascículo 75
© Editora Globo

A Arthropleura aparece também em destaque em dois documentários famosos do canal BBC, um deles é Caminhando com os Monstros, onde aparece lutando com um anfíbio Eryops e no Prehistoric Park com Nigel Marven, em que o naturalista volta ao passado para capturar um exemplar de Arthropleura para seu zoo pré-histórico.
Arthropleura enfrenta Eryops em Caminhando com Monstros
© BBC

Arthropleura assusta Nigel Marven em Prehistoric Park
© BBC

Um outro documentário recente em que o Arthropleura aparece é chamado Ancient Earth, do serviço de streaming Curiosity Stream. Nele há um episódio chamado "What Killed the Giant Insects" (O que matou os insetos gigantes) em que o foco foi a extinção dos enormes artrópodes do carbonífero, incluindo a Arthropleura, que é vista várias vezes, inclusive escalando troncos de árvore como centopeias modernas escalam paredes. Se isso de fato seria plausível não sei dizer, mas é uma proposta interessante de ser abordada.

Além destes documentários, inúmeros livros sobre a pré-história e paleontologia abordam o Arthropleura, falando sobre esse animal. Já para os colecionadores de plantão as notícias não são tão boas. Brinquedos ou réplicas colecionáveis desse animal são praticamente nulas e não há opção realmente decente no mercado. O único brinquedo produzido em massa de que eu tenho registro feito com objetivo de representar esse animal é o mostrado abaixo, feito para um kit que acompanhava um livro chamado Gone Extinct, sobre criaturas extintas.





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