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terça-feira, 9 de julho de 2013

Cynognathus

Arte por Brasílio Matsumoto
© Nestlé/6B Estúdio?
© Artista desconhecido
Caso conheça informe nos comentários
Quando viveu o Cinognato
© Patrick Król Padilha
O artigo de hoje é sobre o Cinognato, um réptil-mamífero primitivo da ordem Therapsida, pertencente à classe Synapsida. Portanto é válido afirmar que o Cinognato ou Cynognathus é um sinapsídeo, o primeiro a ser apresentado aqui no Ikessauro! Este animal bizarro que parece uma mistura entre um réptil e um cachorro é muito primitivo viveu no começo da Era Mesozoica, no período Triássico
O Cynognathus é um gênero de cinodonte terápsido, um grupo de animais bem conhecidos por sua aparência estranha e primitiva,  indicando uma transição entre réptil e mamífero, mas que de fato é considerado oficialmente como um réptil.
O gênero Cynognathus tem este nome derivado do Grego, Cyno = cão, cachorro e Gnathus = mandíbula, significando então "Mandíbula de Cão" devido ao formato de sua mandíbula se assemelhar vagamente a de um cachorro moderno. A espécie Cynognathus crateronotus é a única válida do gênero, sendo que no passado restos desse animal encontrados em locais diferentes foram nomeados com outros nomes, incluindo os seguintes:

  • Cynognathus crateronotus: encontrado na África do Sul, na Formação Burgersdorp datando do Anisiano (Triássico Médio) é hoje a única espécie considerada como válida.
  • Cynognathus berryi: Encontrado no mesmo local de C. crateronotus, foi considerado sinônimo da espécie supracitada.
  • Cynognathus minor: Um crânio encontrado na Formação Rio Seco de la Quebrada na Argentina, cujo horizonte representa ambiente terrestre do Anisiano.
  • Cynognathus platyceps: Proveniente da África do Sul, do mesmo local mencionado nos dois primeiros espécimes. 
Além destes nomes, parece que outros gêneros foram usados para se referir este animal, sendo eles Cistecynodon, Cynidiognathus, Cynogomphius, Karoomys, Lycaenognathus, Lycochampsa, Lycognathus e Nythosaurus. No entanto tais nomes não parecem ter mais validade, suponho que após estudo mais cuidadoso se percebeu que todos os animais eram pertencentes ao gênero Cynognathus ou animais completamente diferentes que receberam novos nomes e foram desligados do gênero aqui abordado. Não há grande disponibilidade de informações sobre este gênero online ou em fontes impressas de fácil acesso, portanto algumas informações estão incompletas. Segundo Richardson (2003, p.50), o gênero foi descrito por Harry Govier Seeley em 1876.

Existe certa discordância entre pesquisadores diferentes se de fato todos os restos encontrados são realmente pertencentes a uma única espécie, mas de acordo com a revisão de Cynodontia de Hopson e Kitching (1972) a única espécie válida é mesmo C. crateronotus. Enquanto revisões mais detalhadas desse grupo não forem realizadas, será impossível saber com certeza.

A espécie Cynognathus crateronotus apresenta diversos sinônimos, listados abaixo:
  • Cistecynodon parvus
  • Cynidiognathus broomi
  • Cynidiognathus longiceps
  • Cynidiognathus merenskyi
  • Cynognathus beeryi
  • Cynognathus minor
  • Cynognathus platyceps
  • Cynogomphius berryi
  • Karoomys browni
  • Lycaenognathus platyceps
  • Lycochampsa ferox
  • Lycognathus ferox
  • Nythosaurus browni

Os gêneros Karoomys, Cistecynodon e Nythosaurus são conhecidos apenas a partir de restos juvenis pequenos, enquanto que Lycognathus cucullatus parece se tratar de restos de uma cobra identificados erroneamente.
O Cinognato apresentou distribuição quase cosmopolita, ou seja, viveu por quase todo o mundo. Seus fósseis foram encontrados na África do Sul, América do Sul e Antártica. Algumas fontes citam a China como a origem de algum espécime, porém  não encontrei confirmação segura desses dados em fontes mais confiáveis.
Esse réptil mamífero é considerado como tendo porte grande se comparado com seus parentes, pois os demais cinodontes eram menores. Algumas fontes por sua vez, dão estimativas diferentes, indicando que o Cinognato media na média 1 metro, porém poderia chegar a até 2 metros de comprimento.
Ele viveu no começo da era dos dinossauros, durante o Triássico inferior, época Olenekiana e Triássico médio, época Anisiana. Há pequenas variações sobre a exata faixa temporal em que viveu esse animal, mas no geral se restringe ao Triássico Inferior e começo do Triássico médio, entre 249 a 237 milhões de anos atrás.
Não se engane com a aparência fofa de mamífero ou a postura simpática desse animal. Ele foi um predador bem sucedido que tinha um crânio enorme repleto de dentes afiados para caça. Seu crânio em média tinha 30 centímetros de comprimento, quase um terço do comprimento total do animal, sendo que a mandíbula era predominantemente composta de um único osso, o dentário, onde se prendem os dentes inferiores, indicando a evolução dos répteis em direção à formas mais mamalianas (mais sobre isso logo adiante).
Crânio do Cinognato
©
AMNH/R. Mickens

Por falar em dentes, o osso dentário estava equipado com dentes diferenciados que sugerem um animal capaz de processar comida antes de engolir. Ele possuía três tipos diferentes:
  1. Incisivos: esses dentes se situavam na frente da boca, eram levemente curvados para trás e responsáveis por agarrar e cortar a comida.
  2. Caninos: eram os dentes grandes e pontudos, os maiores de todos, situados atrás dos incisivos após um diastema. Um diastema é um espaço entre um dente e outro na boca, podendo aparecer no crânio (em cima) ou na mandíbula (em baixo), formando uma fresta onde nunca nascem dentes. Aparecem em diversos animais, inclusive em mamíferos atuais como Roedores entre outros animais. Pode ser um espaço estreito ou pode, como no caso do Cinognato, sem bem mais visível. O Cinognato possui quatro caninos, dois superiores e dois inferiores, que tinham como principal função perfurar profundamente a presa, provavelmente auxiliando na caça servindo para matar a presa através de asfixia ao perfurar a traqueia ou hemorragia perfurando artérias.
  3. Molares: os molares do Cinognato eram afiados e se situavam após os caninos e serviam principalmente para cortar a carne das presas em pedaços menores, rasgar nacos de alimento para poder engolir facilmente.
Outra característica marcante do crânio desse animal é que possuía os espaços para músculos bem avantajados, indicando uma mordida poderosa, além de uma articulação mandibular adaptada para que a boca pudesse ser aberta de maneira bem ampla. Isso facilitaria em muito a captura de presas, pois o Cinognato certamente poderia abrir a bocarra enorme e com seus músculos poderosos agarrar e segurar a presa.
Provavelmente suas presas mais comuns deveriam ser animais robustos como os répteis herbívoros dicinodontes, cujos membros eram grossos, assim para um predador seria extremamente útil a capacidade de abrir a boca o máximo possível.
Crânio, reconstrução muscular e em vida
© Roman Yevseyev
Aqui é importante lembrar porque esse animal é considerado um réptil mais do que é considerado um mamífero. Embora sua aparência lembre a de um mamífero, o que diferencia um réptil de um mamífero é a forma e quantia dos ossos do crânio e da mandíbula. Nos répteis, como é o caso do Cinognato, a fenestra pós orbital (buraco do crânio atrás do olho) e a própria órbita estão separados. Nos mamíferos essa fenestra se uniu ao buraco do olho, sendo assim mamíferos modernos apresentam somente uma abertura. Outra característica dos répteis é que sua mandíbula é composta de vários ossos e embora a do Cinognato seja predominantemente composta pelo dentário, os demais ossos ainda não estão fazendo parte do ouvido. Nos mamíferos verdadeiros esses ossos restantes evoluíram e se tornaram ossos do aparelho auditivo, sendo encontrados muito atrofiados, porém úteis, dentro do ouvido.
O crânio do Cinognato era adaptado com um palato secundário na boca, que fazia o ar da respiração chegar ao fundo da boca por um canal secundário sem passar pelo meio da boca. Isso indica que o Cinognato era capaz de comer e respirar ao mesmo tempo, assim como fazem os mamíferos de hoje em dia. Nós humanos temos a mesma estrutura, mas normalmente não prestamos atenção em um ato tão automático como respirar ou mastigar. Faça o teste, por um breve instante bote um biscoito ou qualquer alimento na boca, e, enquanto mastigar continue respirando normalmente. Perceberá que o ar entra pelas narinas e sai direto na sua garganta. A separação entre a boca e esse canal é o palato secundário, nos humanos popularmente chamado de "Céu da Boca".
A região estomacal, na parte da barriga do animal não possuía costelas como em outros tipos de vertebrados da época, o que sugere que o animal deveria ter um diafragma eficiente para respiração. Esse detalhe junto com o palato secundário indicam um animal de sangue quente, pois os animais endotérmicos precisam de fluxo de ar constante em seus pulmões para manter seu metabolismo.
Seus membros traseiros estavam dispostos diretamente sob o corpo, mas os membros dianteiros ainda se mantinham em posição lateral, semelhante a posição dos membros de répteis. Essa combinação de membros mantidos verticalmente com membros articulados lateralmente ainda é vista em alguns mamíferos vivos hoje.
O Cinognato não mantinha as patas apoiadas na chão apenas na ponta dos dedos, como fazem certos animais (ex: cachorro, dinossauros, cavalos), pelo contrário, ele mantinha a pata toda colada no solo, ou seja, era um animal plantígrado, como o ser humano e os ursos, por exemplo.
Cinognato dando um passeio
©
Julius T. Csotonyi

Outra característica reptiliana era sua coluna vertebral, incapaz de articular-se para cima e para baixo, somente sendo capaz de movimentos laterais. Isso não impedia que o Cinognato fosse rápido, pelo contrário, deveria ser ágil como um lagarto, porém fazia com que seu movimento realmente parecesse o de um réptil correndo, ondulando o corpo lateralmente.
Na realidade não sabemos como era a aparência em vida do Cinognato, porque somente fósseis de seus ossos foram encontrados. Não há registro de tecido mole como pele ou pelos preservado, por isso sua aparência peluda e mamaliana é baseada em detalhes anatômicos do crânio.
Pequenas perfurações e canais no osso do focinho sugerem que havia grande concentração de nervos e vasos sanguíneos. Essas estruturas em mamíferos permitem que pelos sejam usados como órgãos sensoriais, na forma de bigodes, iguais aos vistos nos cachorros atuais e em muitos outros mamíferos.
Cinognato: observe os detalhes dos bigodes
©
Pietro Antognioni
Isso demonstra que o Cinognato já possuía um tipo de pelo complexo desenvolvido e pode indicar que o resto do corpo também possuía uma cobertura do mesmo tipo, auxiliando no isolamento térmico, impedindo a perda de calor. Isso pode indicar que fossem também animais de sangue quente, capazes de manter a temperatura corporal estável não precisando do calor ambiental para esse tipo de regulação.
Registros de tocas fósseis encontradas na África e na Argentina demonstram que os cinodontes viviam em buracos escavados no solo. Não se sabe se o Cinognato também vivia em tocas, mas é muito razoável supor que sim, uma vez que foi encontrado na África e recentemente publicado um fóssil de um cinodonte Thrinaxodon, um primo do Cinognato, dentro de uma toca junto com um anfíbio do gênero Broomistega, que estava ferido. Talvez o Thrinaxodon tenha morrido na toca por algum motivo e o anfíbio aproveitou a toca para esconder-se de algum predador diferente, tendo morrido também. A postura dos fósseis e falta de sinais de predação do cinodonte no anfíbio não sugerem que o réptil mamífero tenha capturado o anfíbio como presa, a fim de comer mais tarde. Sabe-se que anfíbios atuais utilizam tocas de outros animais para esconder-se e esse pode ter sido o caso com estes dois animais que viveram tão distante de nós.
Sendo um animal muito aparentado dos mamíferos e apresentando possível metabolismo endotérmico é de se supor que o Cinognato era um animal social, assim como a maioria dos mamíferos modernos. Talvez fosse um animal monógamo, que encontra um parceiro e permanece a vida toda com o mesmo ou pelo menos enquanto ambos estiverem vivos.
Um casal de Cinognatos descansa tranquilo
©
John Xerdeson Oliveira
Pensando em comportamento social, pode ser que o Cinognato costumasse caçar em grupos, como fazem os lobos atuais, a fim de poder abater presas fortes, o que seria inviável para um único indivíduo.
Um trio de Cinognatos devora um dicinodontídeo
©
Mark Hallett
Além de suposições, pouco se pode dizer sobre esse animal tão intrigante. Não sabemos se produziam leite como os mamíferos modernos, mas acredita-se que eram animais vivíparos, ou seja, davam cria a filhotes já formados dentro do corpo da mãe.
Os terapsídeos, grupo ao qual pertencia o Cinognato, estavam entre os sobreviventes da grande extinção ao final do Permiano. Os cinodontes ("dentes de cão") possuíam cérebro mais desenvolvido que os demais répteis; dentes molares largos com cristas na coroa; corpo dividido em parte superior e inferior. O Cynognathus, o maior cinodonte conhecido, apesar da aparência semelhante à dos cães, apresentava constituição maciça.

O Cinognato é um dos cinodontes mais bem conhecidos, mas não parece ter muita popularidade entre o público leigo em geral, apesar de tudo. Raramente se fala dele em documentários, porém foi mencionado brevemente na série "Paleoworld", no episódio "A Tail of a Sail". E em filmes de puro entretenimento suas aparições ou menções são praticamente nulas. Essa espécie, assim como algumas outras da mesma época e local, é famosa por ter colaborado na confirmação da teoria da deriva continental, uma vez que a presença de fósseis da mesma espécie em diversos continentes indica que um dia num passado distante estes continentes estiveram ligados permitindo o tráfego livre dos animais para qualquer direção.
© Luis Rey
O Cinognato apareceu no famoso álbum de figurinhas "Dinossauros", criado pela empresa Nestlé como item promocional do então popular Chocolate Surpresa. No álbum é retratado já no começo, na figura número 01, retratado com uma farta cobertura de pelos comendo uma carcaça qualquer debaixo de uma chuva forte. Volteo ao começo do artigo para ver a figura e curta a nostalgia!

Aos artistas contribuintes do Ikessauro, eu deixo um grande e sincero agradecimento pela permissão do uso de suas obras e aos leitores sugiro que confiram as páginas de cada artista, sem eles os artigos aqui seriam muito menos interessantes. Valorizem as ilustrações e os profissionais que as produzem, sejam brasileiros ou não! Vale lembrar que algumas imagens foram utilizadas sem autorização devido ao desconhecimento do nome do autor da imagem, encontrada por acaso em pesquisas via Google ou porque não obtive respostas do artista quando solicitado um contato.

Gostaria de deixar um grande obrigado também ao amigo Jorge Cervethion Macedo, pela valorosa contribuição ao artigo, enviando informações adicionais sobre o Cinognato. São essas interações entre o Ikessauro e seus leitores que fazem do blog uma página cada dia mais rica em conteúdo.


1 comentários :

Little Caio disse...

Parabéns Ikessauro pela matéria. Matéria belíssima sobre este animal que me encanta desde criança. A primeira vez que vi um destes foi no álbum de figurinhas "Mundo Animal", publicado em meados dos anos 70. Vou conferir cada fonte sua, além de conferir o site completamente. Obrigado.