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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Angaturama

Angaturama cuidando do ninho
© Maurílio Oliveira


Veja quando o Angaturama viveu
© Patrick Król Padilha
 
O fóssil que tornou esse animal conhecido para a ciência e originou o gênero Angaturama, de acordo com Machado e Kellner (2005), foi encontrado no começo da década de 1990 (ou fim da década de 1980?) em um nódulo calcário da Formação Santana, especificamente do Membro Romualdo, que estão inclusos na Bacia do Araripe. Foi o primeiro achado de um espinossaurídeo na América do Sul e consiste de uma porção frontal do crânio, a parte rostral da pré-maxila e maxila (focinho). O fóssil estava armazenado na coleção da Universidade de São Paulo sob o número USP GP/2T-5.
Primeiro Fóssil do Angaturama (USP GP/2T-5)
© retirado de Kellner e Machado et. al.
Após estudo do fóssil, Alexander W. A. Kellner e Diógenes de Almeida Campos publicaram em 1996 um estudo nomeando o dinossauro como Angaturama limai, sendo que o nome do gênero "Angaturama" se origina do dialeto indígena Tupi e significa "Nobre" enquanto que o epíteto específico homenageia o paleontólogo Murilo R. de Lima, daí o nome "limai" que quer dizer "do Lima" ou "que pertence ao Lima", pois foi Murilo que informou Kellner sobre o espécime em 1991.
Porém, nem tudo é tão simples como parece à primeira vista, pois a história da identificação desse fóssil ficou um pouco confusa porque no mesmo ano de 1996, algumas semanas antes de Kellner e Campos publicarem seu trabalho identificando o Angaturama, pesquisadores ingleses descreveram um novo gênero de dinossauro com base em um fóssil também encontrado no Brasil, que havia sido ilegalmente levado (provavelmente vendido, contrabandeado) para a Europa.
Este novo gênero era Irritator challengeri, Martill et al. (1996), que inicialmente os autores pensaram ser um pterossauro. Porém como todo trabalho científico deve ser revisto antes da publicação, os revisores perceberam que havia aí um engano e indicaram o erro.
Os autores corrigiram o trabalho, desta vez classificando o fóssil como o de um dinossauro representante dos Maniraptora, os populares "raptores" como ficaram conhecidos pela mídia e público em geral após o filme Jurassic Park (1993).
Então Kellner vendo o trabalho publicado e com base nas figuras nele contidas, sugeriu que o animal na verdade não era um "raptor" e sim pertenceria ao clado Spinosauridae (grupo dos espinossaurídeos). Os autores revisaram o trabalho, Sues et al. (2002) e realmente confirmaram a suspeita de Kellner.
Isso significava que haviam dois dinossauros do mesmo grupo sendo identificados no mesmo ano, para o mesmo país e o mais intrigante, para o mesmo local e idade! Isso causou uma confusão que ainda permanece na classificação destes dinossauros, como você verá mais adiante.
Réplica de esqueleto de Angaturama 
© UFRJ
No artigo de Kellner e Campos (1996) em que o novo gênero Angaturama foi proposto, os autores mencionam que até aquele presente momento só outros três dinossauros brasileiros haviam sido descritos com base em ossos, dois do Triássico do Rio Grande do Sul e um titanossaurídeo de São Paulo, fazendo então do Angaturama o quarto dino brasileiro (quinto se contar o Irritator) a receber nome a partir de ossos e não apenas de pegadas e outros icnofósseis. Além disso, considera-se como o primeiro resto de crânio fóssil de dinossauro descrito para o Brasil (novamente, segundo se considerarmos Irritator).
Ainda de acordo com Kellner e Campos (1996), assim como Machado e Kellner (2005), o dinossauro se caracteriza pela presença de uma crista sagital pré-maxilar bem desenvolvida (crista situada em cima do focinho, bem centralizada) e por possuir a parte rostral comprimida lateralmente (fino e alto, visto de frente), além de ter as carenas dos dentes desprovidos de serrilhas, ou seja, as bordas dos dentes que formam quilhas não tinham adaptação para cortar carne, como visto por exemplo nos tiranossaurídeos. No artigo original de 1996, os autores ainda caracterizam que o focinho é menos largo do que o do Barionix, não tendo a tradicional forma de "colher" tão expandida como vista nos demais espinossaurídeos, embora ela ainda esteja presente de forma mais sutil.
O fóssil teria a parte lateral parcialmente destruída em várias áreas com superfície óssea quebrada, embora a parte palatal (céu da boca) estivesse completamente coberta de rocha, estando preservada. Para remover a rocha foi usado ácido fórmico e uma técnica desenvolvida por Kellner para preparar pterossauros encontrados no mesmo tipo de rocha.
O espécime ao todo mede 192 milímetros de comprimento e tem altura máxima de 110 milímetros, no artigo esclarecem os autores que a medida foi tomada do oitavo alvéolo (buraco onde encaixa o dente) até o ponto preservado mais elevado da crista sagital.
Os autores ressaltam que a compressão lateral (estreitamento) do crânio ou focinho é mais forte que o de qualquer outro dinossauro terópode e que é algo natural, pois o fóssil não demonstra indícios de esmagamento postmortem.
A crista tem um osso bem fino, cerca de 1 a 2 milímetros de espessura, ao contrário do osso mais espesso do palato, com 4  a 5 milímetros. É também observado que embora não se possa estimar com precisão o tamanho exato da crista de Angaturama, sabe-se sua posição que é algo único entre terópodes.
A partir do observado nesse espécime, estima-se que as narinas estivessem situadas em região mais posterior, ou seja, mais para trás do crânio, como em Barionix. nenhum dente completo foi encontrado, mas um dente de reposição que estava começando a nascer está presente no fóssil. Foram contabilizados ao todo 7 dentes pré-maxilares, e suas raízes demonstraram ser bem longas e o dente mais grande parece ter sido o terceiro.
Além do crânio original, considerado como espécime Tipo (que serviu  para criar o gênero) nenhum esqueleto completo do Angaturama foi encontrado. Outros fósseis no entanto, menos completos surgiram e foram atribuídos a um espinossaurídeo.
Em um trabalho, Bittencourt e Kellner (2004), descrevem fósseis encontrados também no Membro Romualdo, sendo uma sequência de vértebras sacrais (que ficam acima do quadril) e seis vértebras caudais incluindo três chévrons (protuberância/ponta do osso que se projeta do centro para baixo da vértebra), demarcados como MN 4743-V, estando no acervo do Museu Nacional.
Vértebras caudais e sacrais (MN 4743-V) 
Posição natural, vista lateral direita, escala 5 cm.
© Retirado de Bittencourt e Kellner (2004)
Chévrons das vértebras (MN 4743-V) 
Vista frontal e lateral respectivamente , escala 5 cm. 
© Retirado de Bittencourt e Kellner (2004)
No artigo os autores  esclarecem que devido à comparações realizadas com os vários clados de dinossauros, o clado que demonstrou maior semelhança foi Spinosauroidea (Spinosauridae - Torvosauridae), sendo que comparações mais detalhados indicam realmente se tratar de um indivíduo pertencente a Spinosauridae, entretanto no próprio artigo são citados Irritator e Angaturama e que por serem conhecidos só a partir do crânio é impossível dizer se as vértebras são ou não desses dinossauros.
Detalhes das vértebras (MN 4743-V) 
Vista lateral esquerda, escala 5 cm. 
© Retirado de Bittencourt e Kellner (2004)
Vértebras em vista dorsal (MN 4743-V), escala 5 cm.
© Retirado de Bittencourt e Kellner (2004)
A conclusão de que estes restos são de fato de espinossaurídeos, veio da observação da presença de três lâminas robustas abaixo do processo transverso das caudais anteriores, o qual delimita três fossas. A falta dos processos paralelos nos chévrons sugere que MN 4743-V é muito provavelmente membro de Spinosauridae, Bittencourt e Kellner, (2004).
Vértebra caudal 6 (MN 4743-V) 
Vista posterior, escala 5 cm. 
© Retirado de Bittencourt e Kellner (2004)  
Outro fóssil porém é tido como o mais completo espinossaurídeo do Membro Romualdo, sendo composto de porção posterior de um esqueleto parcial numerado como MN 4819-V, no acervo do Museu Nacional.
O conjunto de ossos inclui uma pélvis, restos de membros anteriores e posteriores, ou seja, braços e pernas obviamente, vértebras sacrais e caudais, Machado et. al. (2005). Como publicado por Machado et al. (2008), a pélvis está completa, incluindo as vértebras sacrais já mencionadas e os membros posteriores incluem fêmur esquerdo quase completo, faltando apenas parte da diáfise. Há também vértebras dorsais e caudais e os elementos do braço seriam do membro esquerdo. Inclusive neste trabalho os autores calculam uma estimativa do tamanho total do corpo do animal com base em restos conhecidos, comparando-os a outros dinossauros. O total aproximado para este esqueleto está entre 5,62 e 5,90 metros.
Em alguns trabalhos, especificamente Kellner (2001) e Bittencourt e Kellner (2004), houve engano por parte de Kellner na numeração do fóssil, que nestes artigos foi publicado como MN 4802V,  número que de fato pertence ao dinossauro Santanaraptor.
Este fóssil foi atribuído ao clado Spinosauridae porque os espinhos neurais das vértebras sacrais (ossos que formam as velas em espinossaurídeos) eram bem longos se comparados a outros terópodes. Além disso, a curvatura de uma única ungueal (garra) preservada indica um espinossaurídeo.
De acordo com Machado e Kellner (2005) o material encontrava-se em preparação na época de publicação do artigo, mas o estágio presente de preparação já era suficiente para confirmar esta identificação. Além da ungueal foram encontrados diversos elementos da mão deste dinossauro, que é mais completa do que a dos demais espinossaurídeos, incluindo Suchomimus. Este dado sobre a completude da mão carece de mais suporte, pois com a recente descoberta do esqueleto de Spinosaurus, não se pode afirmar que é o mais completo material para mão de espinossaurídeos sem comparações diretas.
O curioso é que se pesquisarmos online sobre o Angaturama, frequentemente encontraremos a seguinte afirmação:
"Pesquisas posteriores recuperaram 60% do esqueleto completo, permitindo que uma réplica fosse feita e montada para exibição no Museu Nacional do Rio de Janeiro."
O que me intriga é, qual esqueleto 60% completo foi achado do Angaturama para permitir a reconstrução do esqueleto? Na verdade, a partir do que acabo de ler nos diversos artigos que garimpei pela internet, parece que nenhum! Isso mesmo, todo o esqueleto, a réplica feita para o Museu Nacional, é baseada apenas nestes restos de espinossaurídeos indeterminados, ou seja, não se sabe com exatidão de que espécie eram estes ossos, mas devido ao fato de que o Angaturama é um dinossauro do grupo ao qual os ossos pertencem os pesquisadores atribuem informalmente, pelo menos até onde consegui descobrir, um parentesco forte ou mesmo chegam a dizer que os fósseis são do A. limai.
Réplica do Angaturama no Museu Nacional
Abaixo do esqueleto a pélvis fóssil de Spinosauridae
© Marcelo Carvalho
Claro, há possibilidade de que os pesquisadores já tenham chego à conclusão de que estes fósseis sejam mesmo do A. limai, só ainda não publicaram a descoberta para oficializar, o que no meu ponto de vista, seria necessário para desfazer a confusão. Entretanto é muito mais provável que devido aos ossos serem diferentes dos atribuídos ao Irritator e Angaturama, dos quais só se tem material de crânio, não seja mesmo possível determinar se podem ser classificados em um desses dois gêneros ou não.
Reconstrução do esqueleto com os fósseis citados

© Felipe Alves Elias

Como já dito antes neste mesmo post, a publicação do novo gênero Irritator poucas semanas antes da publicação oficial do Angaturama gerou um dilema paleontológico que até o momento segue sem solução.
Como bem sabemos, ambos dinossauros foram encontrados nas mesmas rochas, na mesma região, datando do mesmo período e época, sendo do mesmo grupo. Isso trouxe a possibilidade da sinonímia à tona, o que gera perguntar como: Seriam Irritator e Angaturama do mesmo gênero? Seriam o mesmo indivíduo? As regras de nomenclatura devem ser aplicadas para sinonimizar os dois dinos?
Inicialmente parece que os pesquisadores estrangeiros, Sereno et al. (1998), propuseram a sinonímia, ou seja, que considere-se Angaturama o mesmo dino que Irritator, de modo que o nome A. limai deixaria de ser válido, porque Irritator tem prioridade, afinal foi criado antes.
Mas Kellner e Campos (2000) e também Machado e Kellner (2005) mantém a opinião de que são gêneros diferentes e é prematuro descartar a possibilidade da existência das duas espécies sem fósseis mais completos. Eles afirmam que comparado com o Irritator, o crânio parcial do Angaturama é bem mais achatado lateralmente.
O motivo principal para sugerir que os dois fósseis na verdade sejam a mesma espécie e ainda mais, o mesmo indivíduo, vem do fato de serem partes opostas do crânio, encontrados na mesma região, datando do mesmo tempo. Na premaxila de A. limai dentes quebrados com coroa parcial mostram semelhança com os de Irritator.
O fato de o crânio identificado como Irritator ter sido contrabandeado piora a situação, pois além dos dados de coleta terem sido perdidos, pois contrabandistas não se preocupam em registrar tudo nem em coletar com cuidado, o crânio foi alterado para ficar mais bonito e ser vendido por maior valor. isso também prejudicou o estudo do fóssil real e o reparo, para remoção de material falso pode ter alterado o estado original do osso.
Angaturama: vermelho - Irritator: verde
Observem as partes diferentes desses dinos
 © Adaptado de obra de Miyess
Como você pode ver na imagem acima, os fósseis não podem ser comparados a fundo porque justamente as partes que deveriam se encaixar não se conectam, demonstrando faltar partes do osso entre uma e outra. A parte traseira do osso do Angaturama estaria parcialmente erodida pelo tempo dizem Machado e Kellner (2005), evidência de ter ficado exposta por um tempo e a ponta dianteira do crânio do Irritator, segundo Sues et al. (2002) está quebrada.
Portando, devido a estes fatores Machado e Kellner (2005) acreditam que é improvável que os dois fósseis tenham se originado do mesmo nódulo, o que segundo eles é reforçado pelo fato de que o crânio do Angaturama tem a parte traseira mais alta e estreita que a parte dianteira do crânio de Irritator.
Reconstrução do esqueleto com os fósseis citados
© Felipe Alves Elias
No fim das contas, ficamos sem uma resposta definitiva e o que me parece é que se formou um "cabo de guerra" entre as duas partes. De um lado os gringos puxando para seu lado, querendo reforçar a validade de seu gênero extinguindo Angaturama e de outro Kellner e seus apoiadores insistindo na manutenção de Angaturama como um gênero válido, procurando evidências em toda parte de que é realmente um dino distinto.
O que nós podemos fazer como leigos interessados no assunto é torcer que um esqueleto bem completo, incluindo crânio seja achado, assim de vez poderíamos esclarecer o mistério.
O que podemos saber com certeza é que o Angaturama pertence à família Spinosaurinae, portanto sua classificação seria a seguinte.
Animalia > Chordata > Reptilia > Dinosauria > Saurischia > Theropoda > Megalosauroidea > Spinosauridae > Spinosaurinae > Angaturama.



Como todo mundo já está cansado de saber, os espinossaurídeos eram dinossauros um pouco diferentes dos demais dinos carnívoros, pois apresentavam proporções anatômicas diferenciadas, especialmente formato do crânio, mais alongado, fino e dotado de dentes cônicos na maioria sem serrilhas, de modo muito semelhante aos crocodilos. Estes formato craniano associado a um pescoço mais longo e musculoso permitia que o animal capturasse peixes nas lagoas e rios cretácicos. Os dentes cônicos levemente curvados eram ótimas ferramentas para agarrar peixes e prendê-los, de modo que poderiam levá-los à margem para comer tranquilamente ou engolir inteiro diretamente, no caso de peixes menores.
Cabeça do Angaturama
© Felipe Alves Elias
Não se sabe exatamente quais os hábitos de vida deste dinossauro, porém imagina-se que por viver muito próximo da água, como indicado pelas rochas onde foi encontrado, deveria pelo menos de vez em quando se aventurar a nadar ou ao menos andar n'água a fim de capturar as suas presas.
Peixes devem ter sido predominantes na sua dieta, porém foi encontrado um fóssil de uma vértebra de pterossauro com um dente de espinossaurídeo comparável aos de Angaturama, indicando que o dino ao menos seria capaz de caçar ativamente quando queria, capturando também estes répteis alados, abundantes na região. 
Angaturama ataca Anhanguera
© Chenyu Liu 
Sabemos que os espinossaurídeos como um todo tinham garras avantajadas nas mãos, então é razoável supor que o Angaturama também fosse assim, uma adaptação vantajosa para agarrar peixes escorregadios. Não é descartada a hipótese de que esse dino, se frente à uma oportunidade, comeria carniça também, afinal, na natureza não se pode dar ao luxo de escolher tanta comida, nunca se sabe quando o próximo "lanche" surgirá pela frente. Imagens retratando o ambiente em que esse dinossauro viveu, como a ilustração do mestre Maurílio Oliveira abaixo, mostram um enorme conjunto de organismos em um pequeno espaço. 
A partir da análise dos fósseis e rochas é fato que eles coexistiram, porém é improvável que o cenário fosse assim tão repleto de organismos em um lugar só todos ao mesmo tempo. O trabalho do ilustrador aqui entra como forma de demonstrar que organismos viveram no local, mas como uma ilustração é um espaço limitado, deve-se  aglomerar vários animais e plantas em um só cenário, dando a impressão que o local era absurdamente povoado.
Angaturama captura um Anhanguera
© Maurílio Oliveira
Sabemos neste momento que o dinossauro Spinosaurus tinha proporções de tamanho dos membros diferentes da dos demais espinossaurídeos e terópodes em geral, pois seus membros traseiros eram bem mais curtos e adaptados à natação, de forma que inclusive se supôs a presença de membranas interdigitais nos pés para ajudar a nadar. Afirmar que o Angaturama era igual neste aspecto é arriscado, porque não se tem o esqueleto pós-craniano, somente os restos mencionados anteriormente e que não podem ser seguramente atribuídos a esta espécie de dinossauro.
Mas, supondo que de alguma forma estes restos realmente fossem do A. limai, eles comprovariam que de fato o nosso espinossaurídeo brazuca é diferente do africano, pois teria membros com proporções mais próximas dos demais terópodes. Isso não quer dizer que fosse incapaz de nadar no entanto, pois não há necessariamente um requisito de pernas curtas para definir o dino como aquático.
Estudos feitos por Amiot et al. (2010) indicaram que espinossaurídeos deveriam passar um tempo razoável em contato com a água, característica sugerida pela concentração de um tipo específico de isótopo de oxigênio em dentes desses dinos, coletados no Brasil e na África. O valor é muito próximo do que se vê em tartarugas e crocodilos, répteis sabidamente aquáticos ou pelo menos, semi-aquáticos.
Não havendo fósseis completos do esqueleto pós-craniano é difícil dizer se o Angaturama teria ou não uma vela protuberante no dorso, como o Espinossauro. Sabemos que seus espinhos neurais eram mais longos que o dos demais terópodes, mas as poucas vértebras existentes não chegam nem perto de se comparar ao maior dos terópodes, S. aegyptiacus. Geralmente as reconstruções mostram o dinossauro com uma vela inteiriça de tamanho moderado correndo do pescoço até o início ou meio da cauda. 
Se a vela era constituída somente de pele sobre ossos ou havia uma camada maior de músculo recobrindo os espinhos neurais é incerto. Pesquisas sobre o Spinosaurus publicadas por Ibrahim et al. (2014) sugerem que o grandalhão tinha a vela mais fina, recoberta de pele, portanto também podemos extrapolar essa informação e inferir que o Angaturama fosse similar. A função das velas nos espinossaurídeos, assim como outras características chamativas em diversos grupos de dinossauros, é debatida já há muito tempo sem resposta definitiva. Hipóteses dizem que poderia ser um regulador térmico, resfriando ou aquecendo sangue quando preciso. Sendo uma estrutura mais fina, vasos que corressem pela vela estariam mais próximos da pele e consequentemente ganhariam mais calor ao ser expostos ao sol, podendo ocorrer o oposto quando mantidos na sombra.
Entretanto pesquisadores já propuseram que serviria de equipamento puramente visual, uma estrutura avantajada para dar ao animal um tamanho maior, ou ainda, se recoberta de pele colorida, servir para sinalizar outros membros da espécie sobre as intenções do indivíduo. Um macho poderia ter um padrão de cor específico para intimidar os demais machos em disputas territoriais e ao mesmo tempo "seduzir" as fêmeas no período de acasalamento. A crista presente na cabeça poderia ter a mesma função, de display para indicar disponibilidade ou intenção de acasalar, ou somente diferenciar macho de fêmea, em um padrão de dimorfismo sexual.
Ainda tratando de suas adaptações como pescador, é fato que suas narinas deveriam situar-se mais acima no crânio, em região mais próxima dos olhos do que nos outros terópodes, pois ao enviar o focinho na água para pegar um peixe os orifícios permaneceriam de fora, permitindo a respiração normal.
Veja a narina mais atrás e não  na ponta do focinho 
© Orlando Grillo
Neste modelo pode-se notar o quão estreito seria o crânio
© Orlando Grillo
O hábitat do Angaturama consistia de local litorâneo, próximo de lagunas onde caçava suas presas, fossem peixes ou pterossauros. Seus restos provavelmente foram levados para o ambiente lacustre por chuva ou outro fator ambiental, possibilitando a preservação em meio aquático. 
No mesmo local foram encontrados diversos tipos de animais, de insetos a dinossauros, pterossauros, crocodilomorfos e tartarugas, peixes dos mais diversos tamanhos e espécies, plantas. Enfim, como sabemos a Formação Santana é extremamente rica em fósseis e considerada um sítio do tipo Lagerstätte, termo originado do alemão que designa acumulações fósseis bem preservadas a ponto de registrar tecidos moles dos animais, até mesmo dos menores como insetos.
Dentro deste ecossistema, é plausível supor que Angaturama fosse um predador de topo, o maior ou um dos maiores terópodes presentes. Existem indícios de Carcarodontossaurídeos para o Cretáceo brasileiro, indicados por dentes encontrados, o que poderia indicar que no nosso nordeste ocorria a mesma segmentação de nichos que deveria acontecer na África. Um local com pouca presença de dinossauros herbívoros não comportaria a presença de tantos gêneros de terópodes, a menos que uma parcela deles (os Spinosauridae) fossem especializados em presas diferentes das presas dos demais terópodes, evitando a competição.
O Angaturama como dinossauro é pouco conhecido do público em geral no próprio país, portanto é ainda menos reconhecido no exterior. Sendo um dinossauro considerado duvidoso e descrito a partir de poucos fósseis, nunca apareceu em filmes ou séries, nem foi reproduzido como brinquedo. O Irritator, mais conhecido no exterior e considerado o mesmo dinossauro que Angaturama foi retratado no desenho/anime Dinossauro Rei.
Irritator de Dinossauro Rei
© Sega
No fim das contas, é difícil dizer se o Angaturama ou não deve ser mesmo considerado um dinossauro válido pelas discrepâncias encontradas entre diversas fontes consultadas. Enquanto a predominância de fontes estrangeiras insistem em defini-lo como sinônimo júnior de Irritator, fontes brasileiras, escritas por pesquisadores ou entusiastas continuam reforçando sua validade. Creio que vai demorar um bom tempo até cheguemos a uma conclusão definitiva, de modo que novos restos precisam ser escavados e estudados para esclarecer o mistério do Nobre dinossauro brasileiro!

Desde já agradeço aos autores das ilustrações e fotografias utilizadas neste artigo pela autorização do seu uso, sem elas o meu trabalho seria muito menos divertido e com certeza mais difícil. Aos autores de imagens que não desejam que suas fotos ou ilustrações sejam aqui exibidas devem contatar o blog e prontamente suas obras serão removidas da página.

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2 comentários :

Unknown disse...

Otima postagem, eu acho que Angaturama e Irritator são os mesmos.Malditos contrabandistas de fósseis.

ProtagonistaGames disse...

Eu acho que o correto do animal deveria ser angaturama já que o animal é do brasil ou seja nós que nomeamos ele